Queda de registros de patentes no Brasil preocupa debatedores
A crescente redução do número de patentes registradas no país — com queda de 20% em oito anos — foi uma das preocupações abordadas em audiência realizada nesta sexta-feira (24) pela Comissão Senado do Futuro (CSF), destinada a debater a legislação brasileira sobre patentes e avaliar benefícios e possíveis aprimoramentos.
O presidente da CSF, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), autor do requerimento para o debate, questionou a extinção da anuência prévia da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para pedidos de patentes de produtos e processos farmacêuticos e os vetos à recente àLei 14.200, de 2021, que autoriza a quebra temporária de patentes de vacinas e medicamentos para enfrentamento de emergências em saúde. Izalci Lucas manifestou preocupação também com as mudanças necessárias para aprimorar a legislação.
“Esse tema é super importante. Vemos a importância de nos debruçarmos sobre isso para ligar as universidades e os pesquisadores com o mundo real. Temos de dar mais segurança jurídica para esse processo —expôs Izalci.
— Ficou bastante claro aqui que a segurança jurídica é crucial para que universidades e pesquisadores trabalhem junto às empresas brasileiras. A legislação brasileira e a consequente morosidade fazem com que muitos pesquisadores acabem patenteando suas descobertas em outros países — completou o presidente do colegiado.
Da mesma forma, a senadora Zenaide Maia (Pros-RN) afirmou que qualquer país, que queira crescer, tem de investir no patenteamento.
— Não precisamos estar atrás de vários países. Temos de incluir as universidades, que não podem apenas produzir as patentes. É preciso ter vontade política para isso.
Queda de registros
Representante do Conselho Diretor da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), Gustavo Morais disse que apesar o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) procurar solucionar o problema da longa espera para o registro de patentes, o Brasil tem registrado significativa queda no patenteamento, “o que é muito preocupante”.
Em 2013 somaram-se 34 mil registros no INPI, número que fechou em 2020 na casa dos 27 mil. Algumas empresas e universidades — essas as grandes responsáveis pelo maior número de patentes no país — tiveram um decréscimo nos últimos anos, mas começam a dar alguns sinais de maior inovação, segundo Morais.
— Normalmente, os países que são capazes de maior inovação acabam depositando muitas patentes. A China, nos últimos 10 anos, ultrapassou a todos a partir de uma produção de inovação e de depósito de patentes, antes modesta.
O grande desafio, segundo o consultor, é transformar as patentes em algo prático para a sociedade. Gargalos, como procedimentos contratuais e negociais, tanto por parte das empresas, como das universidades, poderiam ser mais simplificados e direcionados à execução de um contrato de licença, na opinião de Morais.
Legislação
O representante da ABPI apontou pontos problemáticos na legislação, como o artigo 10, inciso IX, da Lei 9.279, de 1996 (Lei de Propriedade Industrial), que proíbe o uso de material biológico isolado da natureza.
— Eu encontro pesquisador, universidade, que isolou esse material e acaba indo patentear em outros países, isso é uma incongruência, principalmente num país de biodiversidade como a do Brasil.
O consultor também pediu ao Congresso que mantenha os vetos a recém Lei 14.200, de 2021. Entre eles, está um dispositivo que estabelecia que o titular da patente ou do pedido de patente objeto de licença compulsória deveria fornecer as informações necessárias e suficientes à reprodução do medicamento ou insumo, assim como os resultados de testes e outros dados necessários à concessão de seu registro pelas autoridades competentes. O item definia ainda que, caso houvesse material biológico essencial à produção, o titular deveria fornecer tal material ao licenciado.
— Obrigar um detentor dessa patente a transferir a tecnologia me parece uma violência. Fazer uma grama na bancada é uma coisa, mas produzir em grande quantidade é outra.
Mercado
Secretário de Empreendedorismo e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Paulo Alvim afirmou que o Brasil não tem a cultura da patente como instrumento de inovação, mas de proteção de mercado.
Poucas universidades públicas conseguem transformar seu conhecimento em renda, existindo aí uma variável de segurança jurídica muito complexa, segundo o secretário.
— Há falta de percepção de que o conhecimento pode ser transformado em ganho e reconhecimento para o seu detentor. É preciso reconhecer o pesquisador, o grupo e o departamento de pesquisa. Tem de passar a ser como um item de promoção de carreira.
Para Alvim, há mais registros do que inserção dos produtos no mercado. O secretário também manifestou preocupação com a queda do número de registros brasileiros de patentes.
— Isso é extremamente preocupante para o país. Somos o 13º no mundo na produção de conhecimento científico e tecnológico e 57º no índice global de inovação.
Para o secretário, alterações na legislação devem estar atreladas ao olhar do mundo acadêmico e das empresas, com preocupação para possíveis impactos.
— O instrumento de patente ainda é muito pouco utilizado e está muito aquém da nossa capacidade de pesquisa e desenvolvimento e muito aquém da oportunidade de inovação e capacidade das empresas.
Sofismas
Renomado especialista, o professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Rogério Cézar de Cerqueira Leite apontou uma série de sofismas que circundam a área de patentes, que podem “fazer muito bem para o país, como podem fazer muito mal”.
A primeira questão refutada pelo pesquisador, é de que a patente é uma recompensa dada ao inventor pela exclusividade da invenção, que é um conhecimento acumulado.
— Hoje as invenções são feitas em grandes laboratórios e em comunidades, e quem recebe os benefícios são as empresas que pagam os salários dos inventores.
O pesquisador também contesta que a patente seja um estímulo econômico ao inventor que, em verdade, busca mesmo o recorrentemente prestígio entre seus pares. Há de se enfatizar ainda, segundo Leite, que os ganhos acabam ficando com as empresas.
Leite lembrou ainda que a patente concorre para a desigualdade entre as nações, já que os países mais adiantados conseguem dominar o mercado, receber mais proventos, estabelecendo-se um círculo vicioso.
— Um conflito em um país em desenvolvimento e um desenvolvido resulta sempre no ganho desse último. É pouco provável que os desenvolvidos pensem nos países em desenvolvimento. Então, a patente é de interesse maior do poderoso.
Outro sofisma seria a afirmação de que a patente melhora a produtividade. Para o professor, ela é mais usada para impedir os concorrentes de entrar no mercado.
O pesquisador lembra que patentes que podem lesar o interesse público podem, sim, ser quebradas.
— O Brasil não quebra patentes por medo se sanções. Uma nova legislação tem que ver mais os interesses nacionais do que o das grandes corporações, principalmente em setores como medicamentos e alimentos.
Com sua visão de empresário, o diretor-presidente da empresa de biotecnologia GranBio, Bernardo Gradin, acredita que “temos na nossa mão um potencial gigantesconão implantando, seja pela legislação, seja pela nossa cultura”.
Por segurança jurídica, a empresa Granbio, detentora de 420 patentes, acabou por fazer a maior parte dos seus registros nos Estados Unidos e na China.
Com a Agência Senado
Foto: Gerdan Wesley